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Quem responde por perda de pacote entregue na portaria?

Em situações jurídicas cada vez mais corriqueiras, são imprescindíveis novos cuidados e medidas preventivas

Os hábitos mudaram. Diante da pandemia de Covid-19, as compras pela internet aumentaram vertiginosamente. E as discussões jurídicas também. Mais compras, mais entregas, novas implicações. Casos de extravio, perda, furto e dano a objetos dos mais variados valores (de joia perdida a pote de bolo entregue já vazio), em portarias sem estrutura para depositar tantas coisas, passaram a ser frequentes, gerando discussões acerca da responsabilidade civil para quem mora em condomínio.

Curiosamente, o ordenamento jurídico brasileiro atribui grandes responsabilidades ao porteiro, apesar da desvalorização da profissão no país. A exemplo, o art. 252, P.U. do CPC (também aplicável ao processo criminal, conforme art. 362 do CPP) atribui validade à intimação por hora certa, em condomínios edilícios, feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência.

Ou seja, além de prover a segurança, ajudar com as compras e movimentar carrinhos de supermercado, os porteiros são também juridicamente responsáveis por assinar citações judiciais em nome dos condôminos, de todos os apartamentos do prédio ou conjunto de casas. E, ainda, arranjar tempo para ir ao banheiro durante turnos de trabalho de, em regra, doze horas.

Em meio a tudo isso, com a pandemia, eles se tornaram também depositários provisórios de todo o tipo, imaginável ou não, de encomendas (televisores, joias, livros, vinhos, comida, minúsculos aparelhos eletrônicos).

O Código Civil diz que o contrato de depósito se perfaz com o recebimento, pelo depositário, de um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame (art. 627), podendo ser voluntário ou necessário, conforme vontade das partes. Tartuce[1], ainda, divide o instituto em regular (coisa fungível) e irregular (coisa infungível).

O depósito necessário ou obrigatório efetua-se por ocasião de calamidade ou em desempenho de obrigação legal (art. 647, I e II do CC). Assim, já que o contrato de trabalho do funcionário da portaria é uma obrigação legal, pode-se cogitar, adicionalmente às anteriormente listadas, uma outra responsabilidade jurídica atribuível aos porteiros: a condição temporária de depositário necessário de todos os pacotes recebidos em nome de qualquer um dos moradores das várias famílias de um condomínio.

Ocorre que, diferentemente do âmbito penal, cuja responsabilização por um possível furto ou dano (cometidos, por exemplo, pelo funcionário, por outro condômino ou, até mesmo, por algum passante) é pessoal[2], desde que comprovada a autoria, o dolo e a materialidade da conduta, em casos de indenização civil, o condomínio é indireta e objetivamente responsável.

Isto porque o art. 932, III do CC traz a previsão expressa de responsabilidade, pela reparação civil, do empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. Em outras palavras, o condomínio deverá ressarcir o proprietário da coisa pelo dano cível resultante de atos ilícitos dolosos ou da mera negligência (culpa) de seus funcionários.

Por isso, o extravio, dano, perda, sumiço (e até mesmo a ingestão!) de qualquer encomenda dos moradores será, na seara cível, facilmente atribuível ao condomínio.

Explica Tartuce[3] que essa responsabilidade civil objetiva indireta ou por atos de outrem ou de terceiros independe da culpa das pessoas arroladas no art. 932 (pois adotada a teoria do risco-criado), mas necessita da comprovação de culpa daqueles pelos quais são responsáveis.

Nesses casos de responsabilidade objetiva, repise-se, não se discute culpa in vigilando ou culpa in elegendo (esse também é o teor do enunciado nº 451 da V Jornada de Direito Civil).

Diante de todo esse cenário, de situações jurídicas cada vez mais corriqueiras e não muito discutidas anteriormente à pandemia, são imprescindíveis novos cuidados e medidas preventivas inéditas.

No caso específico em análise, é necessário repensar e melhorar a estrutura das portarias, estabelecer protocolos de recebimento e registro de encomendas, de comum acordo, na assembleia condominial, e orientar devidamente moradores e funcionários, para que não surjam maiores constrangimentos para os envolvidos.

Tudo isso porque, no final das contas, quem vai responder pelo extravio dos objetos supracitados são os próprios moradores (art. 1.315 do CC: “O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita”).

E se a entrega for de bem infungível – aquele que não pode ser substituído por outros de mesma espécie, quantidade, qualidade e valor (financeiro ou emocional), corre o risco de o dano ser irreparável. E a culpa não vai ser só do porteiro.