Normas estabelecidas por condomínios e legislação precisam ser respeitadas

A aposentada Norma Tomassini, de 79 anos, criou um novo hábito recentemente. Quando não tem tarefas para fazer na rua, ela desce até a portaria e fica fazendo palavras cruzadas. A atividade, entretanto, não é um agradável passatempo. Dona Norma está fugindo do barulho de duas obras que tiraram seu sossego há aproximadamente um mês.

— Estou vivendo um inferno — resume ela, que mora em um prédio de nove andares e tem uma obra no piso inferior e outra no mesmo que o dela. — Em alguns dias, tive a sensação de que o prédio viria abaixo. Parecia o barulho de trabalhadores quebrando asfalto na rua.

Histórias como a da moradora revelam um ponto sensível na maioria dos condomínios. Afinal, o barulho e a sujeira causados por uma obra são capazes de deixar qualquer santo com os nervos à flor da pele. Essas intervenções são inevitáveis, mas algumas ações podem amenizar os incômodos.

No caso de dona Norma, o que mais irrita é a falta de comunicação e cordialidade por parte dos responsáveis. Ela afirma que não foi informada sobre cronogramas e ações e, em um dos apartamentos, não foi bem recebida ao tentar dialogar.

PORTAS ABERTAS

É por isso que o arquiteto Chico Viana é entusiasta da política da boa vizinhança. Segundo ele, esse é o principal caminho para evitar bate-boca no condomínio.

— Certa vez, um vizinho estava reclamando e o convidei para conhecer a obra. Feito isso, ele ficou mais tranquilo, porque entendeu tudo o que estava acontecendo — conta ele.

E esse comportamento, segundo Viana, precisa vir acompanhado de concessões dos dois lados. Ele ilustra isso com outra história pessoal:

— Fazíamos a reforma de um apartamento no andar superior ao de um casal que tinha um bebê. Então, combinamos que não faríamos barulho enquanto ele estivesse dormindo e estabelecemos horários para isso.

O arquiteto também lista uma série de cuidados de ordem prática capazes de diminuir os transtornos. Segundo ele, os próprios condomínios costumam estabelecer normas com esta finalidade, que devem ser respeitadas. Na Zona Sul do Rio, por exemplo, quase todos os prédios já proíbem o uso de marteletes (martelos elétricos que servem para romper concreto e cerâmica).

AÇÕES PRÁTICAS

Outro cuidado recomendado por Viana é evitar o corte de materiais dentro do apartamento, como peças de mármore.

— O ideal é tirar as medidas e fazer apenas a instalação no local. Isso evita barulho e poeira — recomenda ele.

A poeira, aliás, também pode ser amenizada de outras maneiras. Obviamente não se pode vedar todo o local de obra, porque isso poria em risco a saúde dos trabalhadores. Mas, quando possível, janelas e saídas que dão para as áreas de circulação podem ser fechadas. Já os vãos embaixo das portas devem ser tapados com uma flanela úmida.

— Se a sujeira chega até as áreas de circulação, também é importante ter um servente fazendo a limpeza rotineiramente — acrescenta Viana.

O engenheiro mecânico David Gurevitz acrescenta que os cuidados também devem levar em consideração os transtornos que podem aparecer após a conclusão da reforma. Neste caso, cabe ao proprietário o cuidado com os profissionais contratados.

— Sempre devem ser pessoas idôneas. Caso contrário, corre-se o risco de prejudicar instalações como as redes elétricas e hidráulicas, afetando outros apartamentos. Quando isso acontece, novas intervenções são necessárias, causando ainda mais dor de cabeça aos vizinhos — alerta o engenheiro.

Os impactos físicos na vizinhança estão sempre no radar da aqruiteta Luciana Machado.

— Não podemos deixar nenhum cuidado de lado. Os problemas aparecem e resolvemos o mais rápido possível. Se uma parede de vizinho aparece trincada, vamos lá e arrumamos. Se o gesso trinca, vamos lá e reparamos. Minha equipe ajuda bastante. São todos muito solícitos em resolver os problemas — garante ela.


O arquiteto Mario Glasberg também defende que, na hora de fazer uma obra, comunicar com clareza deve ser prioridade.

— Sempre agi assim e nunca tive rejeição. Também cuido da limpeza do local e faço uma combinação prévia com síndicos e porteiros sobre o descarte de resíduos. Além disso, providencio a proteção do elevador para o transporte de materiais — lista o arquiteto.

Mas nem todos adotam essas condutas. Segundo o advogado Arnon Velmovistky, especializado em direito imobiliário, sujeira nas áreas comuns e obras sem autorização legal são os problemas mais recorrentes.

O advogado pondera que dificilmente uma intervenção não causará incômodos. Mas existem limites para isso.

— Os prédios devem criar regulamentos, tais como responsabilizar o proprietário pela limpeza diária das partes externas afetadas, o horário de entrada de materiais, para não sobrecarregar o elevador o dia inteiro, e a proibição de depósito de material nas áreas comuns — aconselha o advogado.

Há também restrições na legislação, como a Lei do Silêncio, que estipula os limites máximos de ruídos produzidos, mesmo em horário diurno. Em caso de desrespeito, a vítima pode registrar boletim de ocorrência na delegacia policial ou ligar para o 190.

— É possível também entrar com uma ação de obrigação de não fazer, quando a situação se apresentar de forma continuada — finaliza Velmovistky.

Algumas regras:

Entulhos. O regimento interno regula o assunto, mas também pode-se aplicar o Código Civil. O artigo 1336, inciso IV, estabelece que os condôminos devem dar às “suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.

Fachada. O Código Civil também prevê como dever do condômino “não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas”. A mesma regra se aplica em intervenções que visam a anexar a varanda na sala para construir apenas um ambiente.

Remoção de pilastras. Depende da contratação de um engenheiro calculista, que apresente o cálculo estrutural ao condomínio.