Problemas de convivência

[ir]Responsabilidade no condomínio: idosa paga multa por infrações da neta

Cleuzany Lott (*)

Uma idosa de 87 anos terá que pagar uma conta de R$ 20.193,50 em multas de condomínio. Mas nenhuma das infrações foi cometida pela aposentada e sim pela neta e bisnetos que moram com ela. Essa situação expõe o risco enfrentado pelos proprietários que alugam ou cedem os imóveis em condomínios, pois podem ser responsabilizados por atos cometidos por outras pessoas.

Com o aumento da quantidade de idosos assumindo o papel de arrimo de família, seja oferecendo ajuda financeira aos filhos casados ou mantendo a prole sob o mesmo teto, tornou-se mais comum a ocorrência da chamada geração “canguru” – pessoas entre 25 e 34 anos que permanecem na casa dos pais.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-Contínua) do IBGE, a participação de aposentadorias e pensões no rendimento médio mensal das famílias aumentou de 16% em 2012 para 18,2% em 2021. Além disso, o número de adultos que continuam morando com os pais aumentou 137% entre 2012 e 2022, segundo estudo da Kantar Ibope Media.

Essas mudanças na dinâmica familiar refletem diretamente nos condomínios. Quando a convivência é harmoniosa, toda a sociedade se beneficia. No entanto quando ocorrem conflitos toda a comunidade sofre, como foi o caso da idosa residente em Praia Grande, na Baixada Paulista (SP).

“Condemônios”

As infrações cometidas pela família da condômina incluem uma série de transgressões. Entre as queixas estão brincadeiras das crianças na garagem danificando os veículos estacionados, carro vazando óleo no piso da garagem, vazamento de água do apartamento para a escadaria, cusparadas em áreas comuns, uso indevido das áreas comuns, inclusive “gato” de elétrica prejudicando o fornecimento de luz do prédio, uso do corredor como extensão do apartamento, perturbação excessiva por barulho, entre outras violações que afetam a boa convivência com os vizinhos.

Livro de Registros

As multas pelo descumprimento da Convenção e do Regimento Interno começaram a ser aplicadas em 2013, porém, nunca foram quitadas. Somente em 2021, o condomínio decidiu buscar o pagamento na Justiça. Essa demora resultou na prescrição das penalidades ocorridas até 2015.

A idosa interpôs recurso contra a ação. No entanto os registros minuciosos no Livro de Ocorrência, contendo descrições detalhadas das reclamações feitas pelos moradores e síndicos, documentando com precisão as doze infrações ocorridas em diferentes datas, horários e situações, foram determinantes para o sucesso do condomínio na ação judicial.

Com a decisão da 3ª Vara Cível de Praia Grande confirmada, o valor das multas aplicadas durante o período de 2016 a 2021, que inicialmente totalizava R$ 11.782,83, foi reavaliado com base na Tabela do Tribunal de Justiça de São Paulo, resultando em um aumento para R$ 20.193,50.

Sem perdão

Como destacou o relator e desembargador Paulo Alonso “não se pode perder de vista que as infrações atribuídas à ré derivam de comportamento antissocial, que não admite complacência, especialmente no âmbito de condomínios residenciais”.

De forma semelhante, o desembargador enfatizou a expectativa de que a decisão “incentive a infratora a ponderar sobre as consequências prejudiciais de seus atos, agindo como um impedimento para a reincidência de condutas prejudiciais, ao mesmo tempo em que serve de exemplo para a comunidade residente no prédio”.

Colaboração

Essa decisão representa um importante alerta para os proprietários que, ao depararem-se com queixas relacionadas ao comportamento dos inquilinos, transferem a responsabilidade de solucionar o problema para as administradoras.

Da mesma forma, serve como um lembrete para os pais que são condescendentes com a violação das regras condominiais e alegam perseguição por parte do síndico.

Contudo, é fundamental que os moradores colaborem registrando as infrações, assim eles impedem que pessoas mal-intencionadas se aproveitem da ausência de provas. Devemos lembrar do ditado popular que diz: “Contra fatos não há argumentos”, pois somente com evidências concretas podemos assegurar a justiça e a harmonia no convívio condominial.

*Cleuzany Lott é advogada especialista em direito condominial, síndica, jornalista, publicitária, Diretora Nacional de Comunicação da Associação Nacional da Advocacia Condominial (ANACON ), diretora da Associação de Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais (ASALM), coautora do livro e-book: “Experiências Práticas Conflitos Condominiais” , produtora e apresentadora do podcast Condominicando.