Levantamento realizado com 2 mil síndicos de todo o Brasil aponta o barulho excessivo como principal reclamação registrada nos prédios durante a pandemia
Em home office desde março em função da pandemia do novo coronavírus, a jornalista Ana Karenina Berutti, que mora no Bairro Luxemburgo, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, perdeu o sossego nos últimos dois meses. Ela conta que três de seus vizinhos decidiram aproveitar a quarentena para fazer reformas. “É caminhão descarregando brita, barulho de serra elétrica quebrando pisos de pedra. Eles começam 7h e vão até 18h. Eu e meu marido temos tido muita dificuldade para trabalhar em casa. Meu filho, de 16 anos, também está com problemas para conseguir acompanhar as aulas on-line”, relata a profissional.
Não bastassem os obreiros barulhentos, Ana também precisa lidar com os festeiros. “Tenho aqui outros vizinhos que fazem festas e vão até tarde, principalmente quinta, sexta e sábado, com música e conversas em alto volume. Há dias em que tenho a sensação de que vou daqui para o hospício, viu?”, queixa-se.
O pesadelo descrito pela jornalista tornou-se mais comum nos condomínios brasileiros durante a epidemia de COVID-19. É o que mostra uma pesquisa divulgada nesta quarta-feira pelo site SindicoNet. Entre 20 de junho e 6 de julho, o portal ouviu 2 mil síndicos de todos os estados brasileiros - com exceção do Acre - sobre os impactos do isolamento social na convivência entre vizinhos. Mais da metade das lideranças - 59,33% - apontou aumento das reclamações por barulho excessivo nos últimos quatro meses. O ruído das obras e o som alto das lives (transmissões ao vivo pela internet) promovidas por artistas estão entre os incômodos mais citados nas queixas feitas pelos condôminos.
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Outro registro significativo da pesquisa são as reclamações de desrespeito às normas de contenção vírus: 51,43% dos síndicos entrevistados disseram ter recebido denúncias de furo à quarentena, o que inclui aglomerações e uso indevido de instalações prediais desativadas em função da pandemia, como academias e quadras. A crise econômica provocada pela COVID-19 também gerou ocorrências. Entre os participantes do estudo, 20,63% relataram pedidos de redução e descontos no valor da cota condominial.
Regras
A má notícia para quem está confinado em casa e mora perto de imóveis em reforma é que a prática não é ilegal, mesmo durante a pandemia, desde que respeite os horários e dias fixados no regulamento interno do condomínio e, sobretudo, na Lei Municipal nº 9.505/2008, conhecida como Lei do Silêncio. Segundo a norma, os serviços de construção civil estão permitidos entre 10h e 17h, com limite de emissão de ruídos estabelecido em 80 decibéis. Segundo o advogado especialista em direito condominial Fábio Barletta, o diálogo é a melhor forma de solucionar o conflitos causados pelas obras.
"O ideal é que os próprios condôminos estabeleçam um conjunto de regras especiais e transitórias para o período da pandemia, podendo se valer, inclusive, de uma assembleia virtual para definirem as normas que incidirão sobre a coletividade nesse período. As obras nos apartamentos têm sido um dos fatores de maior conflito entre os moradores. Não apenas pelos barulhos e ruídos gerados, como pelo trânsito constante de prestadores de serviços nas áreas comuns do condomínio, aumentando o risco de transmissão da COVID-19. Assim, minha sugestão é que somente as obras urgentes e necessárias sejam permitidas pelo síndico", aconselha Barletta.
Quanto às lives e músicas executadas em alto volume nos prédios, ele explica que, embora a Lei do Silêncio mencione permissão para a emissão de sons entre 6h e 22h, dentro do limite de 60 decibéis, o respeito à vizinhança vale por 24 horas. "O barulho excessivo e reiterado pode ser coibido a qualquer momento, em especial, nesse período em que grande parte dos moradores estão realizando suas atividades laborais em sistema de home office", esclarece.
Ainda de acordo com o advogado, os furões da quarentena estão sujeitos a punições administrativas definidas na convenção de cada condomínio, além de coerção das autoridades policiais. Na capital mineira, os infratores podem ser denunciados à prefeitura, pelo número 156, ou à Polícia Militar (190).