Foco nos condomínios
Na última sexta-feira, após o “devido” anúncio nas redes sociais dos seus vetos, a presidência da República sancionou e fez publicar no Diário Oficial a lei federal 14.010/20, que trata do Regime Jurídico Emergencial decorrente da pandemia do covid-19, regulando diversos aspectos das relações privadas em seus capítulos – o cumprimento da prisão civil por dívida de pensão alimentícia, a contagem dos prazos prescricionais, a realização de assembleias virtuais (condominiais ou de pessoas jurídicas) etc.
Todavia, tratá-la na sua integralidade arriscaria tornar este texto mais longo do que útil a este blog. Por esta razão é que vou me ater aos condomínios edilícios, tema que dará bastante discussão nos próximos meses, sem dúvida alguma.
Os condomínios estão regidos no capítulo VIII da citada lei federal o qual, originalmente, continha três artigos, dois incisos e parágrafos únicos, sendo que o primeiro deles (artigo 11), fora vetado sob o entendimento de que o síndico não deve ter poder para, sozinho, impedir o uso de áreas comuns e proibir reuniões e festividades nas unidades privativas e o uso dos abrigos de veículos por terceiros, como medidas para evitar a propagação do covid-19, cabendo à assembleia condominial esta decisão.
Restou, pois, a regulamentação de assembleias condominiais virtuais – ordinárias ou extraordinárias –, a prorrogação dos mandados dos síndicos até a realização destas e, ainda assim, em determinadas situações (artigo 11), bem como – e óbvio – a obrigação dos síndicos de prestar contas de seus atos de administração (artigo 12).
Quanto ao artigo 12 – obrigação de prestar contas – o legislador, apesar de se entender a cautela, acabou por “chover no molhado”, já que toda pessoa, síndica ou não, que realize atos de gestão do patrimônio alheio tem essa obrigação, tornando esse “reforço legislativo” nada mais que isso: a reiteração de uma obrigação pré-existente.
Agora, as assembleias virtuais, certamente foi uma brilhante previsão, mesmo para aqueles que entendem que esta forma de realização não só não era vedada até então, mas já era plenamente possível desde o advento da medida provisória 2.200-2/01 –, posto que certamente não era regularmente prevista nas convenções condominiais, menos ainda era praticada na rotina destes empreendimentos.
Importante notar que o legislador foi cauteloso nesta autorização: as assembleias virtuais podem ocorrer; entretanto, se a realidade prática e fática mostrar sua realização inexequível por qualquer razão, permanecerá vigente o status quo anterior a pandemia – ou seja, os síndicos cujo mandato venceram após 20 de março de 2020, continuarão síndicos até 30 de outubro deste ano.
E não são poucos os motivos que podem tornar inexequíveis essas assembleias virtuais: a facilidade (ou dificuldade) no uso dos equipamentos e ferramentas necessários, a disponibilidade destes a todos os condôminos, os custos desta operação ou, até mesmo, o desconforto generalizado no condomínio com a realização desta forma de assembleia, dentre outros cenários a serem analisados caso a caso.
Por isso mesmo, a opção pela assembleia virtual – e, particularmente, eu as recomendo –, o síndico deve não só discutir previamente essa questão com o conselho fiscal/consultivo (quando existente), mas estar devida e adequadamente amparado tanto por advogados quanto pela administradora para que, no futuro, esta assembleia não seja anulada.
Sim, caro leitor, a autorização legislativa para assembleias virtuais não as torna imune a questionamentos quanto a sua validade, especialmente se as cautelas necessárias não forem observadas. Vou dar alguns exemplos destes problemas: a) como garantir e identificar cada proprietário que acessar a plataforma da assembleia, colher seus votos e garantir o direito de voz e voto a todos os condôminos interessados? b) se algum condômino não conseguir acessar a plataforma escolhida – especialmente por problemas não relacionados ao seu equipamento e conexão à internet –, como isso deve ser comunicado, registrado e resolvido? c) qual a melhor forma de registrar essa assembleia e garantir o entendimento posterior de todo o ocorrido? Gravação? Transcrição das discussões? Elaboração de ata – integral ou resumida –?
Obviamente estas questões só terão respostas efetivas quando confrontadas com a realidade de cada empreendimento – especialmente à luz da sua natureza (comercial ou residencial), a destinação dada pelos condôminos (uso próprio ou locação) e, especialmente, o tamanho do condomínio –, sendo tão mais complexo quanto maior for o condomínio (e o número de condôminos) e menos conhecidos dos seus pares forem os demais proprietários e/ou seus procuradores.
Para pequenos empreendimentos residenciais, onde todos (ou a grande maioria) se conheça, talvez uma solução quase caseira – e gratuita –, pode ser mais que suficiente para realização da assembleia.
Agora, em grandes condomínios, especialmente comerciais, onde se verifica a presença de condôminos investidores – onde raros serão os condôminos que se reconhecerão visualmente –, onde a dinâmica da assembleia sempre exigiu criterioso registro e controle do direito de uso da palavra e contagem dos votos, certamente não será algo simples de se realizar.
Isso tudo sem falarmos dos temas que serão tratados e a situação do condomínio: uma simples e pacífica reeleição de síndico certamente será fácil de conduzir virtualmente; agora, uma chamada extra de valores em razão de uma significativa inadimplência ou uma eleição de síndico com significativa disputa entre os candidatos, exigirá regras claras desta condução e pulso firme de quem a conduzir.
Portanto, caro leitor, se me permitir a sugestão, se seu condomínio não fez assembleia este ano, procure debater (pelos aplicativos de mensagens, nada de reuniões ou aglomerações, combinado?) com o síndico e demais condôminos se faz sentido para vocês realizar assim a assembleia, como ficará melhor para todos os envolvidos e, especialmente, se os condôminos terão acesso fácil à plataforma escolhida.
E se fizer, procure um advogado antes, para não precisar dele depois da assembleia.
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t*Paulo Augusto Rolim de Moura é advogado e sócio júnior da Área Cível da Advocacia Hamilton de Oliveira. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Formado em Processamento de Dados e Mecatrônica. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Assessor da presidência da 17ª Turma Disciplinar do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados Subseção de Campinas.