Os diferentes objetivos de uso de imóveis comerciais e residenciais demandam atenção do síndico e suporte legal para lidar com a convenção.
Os desafios urbanos ligados à moradia e ao aumento no tráfego de veículos nas cidades mexem com a oferta de consumo e habitação. Condomínios que mesclam atividades de comércio, serviços e áreas de estacionamento são exemplos comuns dessas mudanças, que refletem de modo crescente na ocupação de Balneário Camboriú e demais cidades da região no Litoral Norte do Estado.
Sobre o assunto, o Jornal dos Condomínios entrevistou o presidente da Comissão de Direito Condominial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção Balneário Camboriú, Allan Zanchett, e o especialista em Direito Condominial, também membro da comissão, advogado André Peixoto Abal.
Advogados André Peixoto Abal e Allan Zanchett da Comissão de Direito Condominial da OAB de Balneário Camboriú
Eles citam três das modalidades que estão em alta na construção civil: os home clubs, que oferecem uma infraestrutura comum diferenciada para uso dos próprios condôminos; os condomínios multiuso, desenvolvidos com o conceito de reunir trabalho, moradia e lazer em um só endereço, com parcial abertura de acesso ao público externo; e os condomínios de uso misto, onde apenas coexistem apartamentos para moradia e salas ou centros comerciais. É esta última modalidade, a mais comum em cidades como Balneário Camboriú e no Litoral Norte, que suscita uma série de desafios, na combinação de atividades como comércio e serviços em prédios que também abrigam residências.
Condomínios home club, multiuso e mistos podem ter muito em comum, como, por exemplo, todas as estruturas dentro de uma mesma incorporação e do mesmo condomínio. Mas, dependendo das questões de uso e acesso é que os desafios aparecem.
Segundo Zanchett, muitas das edificações de uso misto mais antigas de Balneário Camboriú apresentam convenções com muitas lacunas e falhas, ocasionando problemas como indefinição no rateio de despesas envolvendo as unidades de áreas residenciais e comerciais.
Três características do uso misto
A gestão nos condomínios de uso misto é determinada por pelo menos três características: os acessos, o nível de convivência e a convenção. A incorporação do imóvel pode ser residencial, comercial ou mista. Segundo os advogados, o tipo de incorporação é determinante, pois cada incorporação demanda uma convenção, uma instalação de condomínio, um síndico e o próprio rateio das despesas condominiais. A convenção precisa detalhar as diferenciações de uso, cobranças de taxas, acesso e convivência para cada tipo de proprietário.
“As respostas para todos os tipos de problema devem estar na convenção, porque ela é a referência, inclusive, para decisões sobre conflitos que tenham de ser tomadas no âmbito judicial”, ressalta Abal.
A característica do acesso diz respeito à existência de entradas e saídas integradas ou separadas para o uso da área comercial e da área residencial. O nível de convivência determina se todos os condôminos usam e circulam nas mesmas áreas comuns.
“A maior parte dos problemas dessa modalidade de condomínio existe por falta de descrição na convenção, seja prevendo situações sobre o uso de áreas comuns, restrições e modo de divisão de taxas condominiais com a devida diferenciação”, alega Zanchett. E a maioria dos questionamentos é de ordem financeira.
Problemas comuns nas antigas convenções
O rateio das despesas condominiais é um dos grandes geradores de conflito em condomínios mistos, entre outros de ordem econômica. Segundo os especialistas entrevistados, questões comuns dizem respeito a comerciantes sem acesso ao interior do prédio que não querem arcar com despesas de elevadores e áreas de lazer, de moradores que reclamam de acessos compartilhados, entre outros.
“O que vale depende de cada imóvel, depende do que está determinado na convenção. Quem compra o imóvel de acordo com ela não pode reclamar depois. Por outro lado, se não estiverem previstas nela essas regras de rateio de despesas, o condômino pode recorrer à Justiça contra o condomínio, reclamando restrição do direito à propriedade, mencionado na Constituição Federal (Art. 5º, inciso 22)”, explica Abal. Na prática, isso significa que ele se sente impedido pelo condomínio de fazer o uso da propriedade que adquiriu.
Condomínio repartido após três anos
O Condomínio Atlântico Shopping, de Balneário Camboriú, surgiu em 1996 como um condomínio misto, incorporando um residencial de 120 unidades residenciais e o shopping center, com o mesmo nome. Cerca de três anos depois, o imóvel teve a incorporação dividida e elegeu dois síndicos, um para o shopping, outro para as residências, cada área com o seu próprio condomínio e convenção. As unidades ainda dividem a mesma rampa de acesso ao estacionamento, mas quem vai ao shopping vai somente até o segundo pavimento.
Síndico do condomínio há 12 anos, Mário Amaral de Andrade explica que a divisão dissolveu exigências da convenção antiga como a obrigação para quem comprasse um apartamento, de também comprar uma sala no shopping, por exemplo. “Hoje a gestão é completamente dividida, com boa convivência. No entanto, ainda há pontos na nossa convenção com alguns resquícios da convenção antiga. Em breve, aproveitando o momento de revisá-la, vamos mudar isso” explica.
Para se adaptar a novas demandas e tendências de mercado, alguns novos empreendimentos da região são gerenciados por uma equipe de profissionais, ao invés de apenas um síndico. É o caso do complexo multiuso Riviera Concept, na Praia Brava, em Itajaí, que foi inaugurado em dezembro de 2018. Com três torres, o complexo tem 325 unidades comerciais e de hotelaria em funcionamento e o prédio residencial está em conclusão.
A composição do empreendimento, envolvendo uma aprofundada base jurídica, resultou no estabelecimento de um condomínio central com conselho fiscal e de três subcondomínios, todos sob a mesma convenção, mas cada um com seu próprio regimento, conselho fiscal e subsíndico. O condomínio central fiscaliza os subcondomínios, estabelece e gerencia o rateio de despesas comuns a todos. São elas: segurança, seguro, limpeza externa, jardinagem, paisagismo e custos com alvarás de bombeiros.
Segundo a gestora do Riviera Concept, Patricia Bertolo, a forma de gestão reflete em benefícios como uma autonomia financeira, administrativa e de operação em cada subcondomínio. “O condomínio central cuida da previsão orçamentária e é quem tem a responsabilidade civil, criminal e trabalhista sobre os atos de todos os subcondomínios. Com os papéis e as regras todos bem definidos na convenção, a convivência é perfeitamente gerenciável”, diz a gestora do condomínio que se torna referência multiuso no Estado.
Exigências na administração de condomínios mistos
Quase nada é regra específica ou obrigação para a administração de condomínios caracterizados como mistos, isso porque cada imóvel tem suas próprias particularidades e usos. Nem mesmo o Código Civil traz muitas especificidades sobre o assunto, pois a prioridade das decisões sobre essas áreas é da convenção estabelecida com a ajuda dos condôminos.
Os advogados da Comissão de Direito Condominial da OAB de Balneário Camboriú fazem algumas recomendações sobre as exigências para quem precisa administrar este perfil de imóvel:
Uma convenção bem redigida pode nunca precisar ser atualizada, mas o síndico observar que conflitos existentes não têm resolução prevista no documento é mais do que um sinal de que a convenção precisa ser atualizada em assembleia.
Quanto mais cedo, logo após a incorporação, tanto melhor. Se a atualização não for bem planejada e definitiva, é provável que o condomínio precise fazer muitas revisões.
Em áreas concebidas com objetivos de uso distintos em um mesmo imóvel, é saudável para a convivência dos condôminos que cada setor tenha seu próprio acesso, como rampas e elevadores e, se possível, sua própria gestão.
Quando o condomínio tiver de ser o mesmo, devido à incorporação do imóvel ser uma só, a recomendação é que pelo menos um representante de cada área, a residencial e a comercial, auxiliem o síndico no levantamento de informações para que ele tenha a melhor tomada de decisão.
O síndico, por sua vez, precisa compreender muito bem as duas áreas pela qual está responsável, seguindo rigorosamente a legislação vigente, especialmente o Código Civil e a convenção, atuando com imparcialidade pela melhor convivência e preservação do bem comum.
Pela complexidade das relações interpessoais e as diferenças físicas e de objetivo de uso de cada imóvel, incorporadoras que colocam condomínios de uso misto no mercado devem abandonar um velho hábito, o de usar modelos prontos para entregar a convenção juntamente com o imóvel.
Tanto às incorporadoras quanto aos síndicos, é recomendável que procurem o auxílio de um advogado antes de definir as mudanças da convenção. Modelos prontos deixam de atender necessidades particulares dos condôminos.