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Gestão de conflitos entre condôminos

Nos dias de hoje, é cada vez mais comum a falta de paciência dentro de condomínios. E a figura do síndico pode ser uma boa ponte para minimizar problemas entre vizinhos

Mais que uma função técnico-administrativa, ser síndico envolve principalmente a tarefa de gerir pessoas. Tanto o morador que assume o cargo, quanto o profissional que se qualifica para encarar esse desafio, deve estar ciente que na maior parte do tempo o seu trabalho vai ser mediar conflitos entre os condôminos, sendo que no topo do ranking de reclamações estão: o incômodo causado pelo barulho do vizinho, vazamentos, problemas com vagas de garagem e animais de estimação. É o cachorro que não para de latir no apartamento do lado, o vizinho de cima que arrasta os móveis ou a festa que o outro morador deu na noite anterior.

Resolver conflitos e até acordar de madrugada para administrar as mais inesperadas situações fazem parte da rotina de todos os condomínios. E no Residencial Itália, em Florianópolis, não é diferente. A síndica Elis Lazareviski está no cargo há pouco mais de um ano e já enfrentou algumas saias justas, como no caso de condôminos que têm atrito com vários vizinhos. Com MBA em gestão de pessoas, Elis busca em suas experiências profissionais inspirações e técnicas para driblar os impasses diários.

“Em quase todos os locais têm pessoas que são mais impacientes e que reclamam de tudo. Então, se você não gosta de lidar com gente, não adianta ser um excelente administrador. No dia a dia do condomínio você não lida só com números, na maior parte do tempo as questões a serem resolvidas envolvem relacionamento. Eu procuro não interferir em situações corriqueiras, mas sempre que procurada ou se percebo a necessidade de uma interferência, faço de boa vontade. Tento mediar da melhor maneira possível, apaziguando os dois lados para tentar ‘baixar a poeira’. Se eu não souber conduzir ou optar por me omitir na resolução do problema, com certeza terei que enfrentá-lomais a frente, só que num estágio muito mais grave”, avalia.

É impossível saber quando um morador irá reagir de forma intempestiva. Também não é papel do síndico adivinhar quando dois moradores estão com dificuldades em seu relacionamento. Mas é possível, sim, ajudar o condomínio a ser um local com menos desentendimentos. Como foi o caso da Lia Benthien, síndica do Residencial Carybe, que ao assumir a administração do seu condomínio enviou um comunicado para todos os moradores, onde tentou estimular que eles tentassem resolver entre si os pequenos impasses diários.

Lia Sindica
Síndica Lia Benthien aposta no diálogo para resolver impasses: “Acho válida a conversa entre os vizinhos, pois muitas vezes o outro nem sabe que está incomodando”
“Partindo do princípio de que muitas vezes o outro nem sabe que está incomodando, acho muito válida a conversa entre os vizinhos. Mas, se não funcionar, aí eu entro em ação. Falo com a pessoa sobre as queixas do outro, mas nunca de forma autoritária, sempre pedindo colaboração. Acho que as pessoas têm que entender que vivem em uma comunidade e que todos perdem um pouco para o ganho comum. Ninguém é obrigado a ser amigo do vizinho, mas respeitar quem está ao seu lado é salutar, é educado e civilizado. Aquias regras valem para todos e ninguém tem privilégios ou prejuízos diferenciados”, enfatiza.

De quem é a responsabilidade de resolver o conflito?

De acordo com a advogada Lidiane Genske Baia, especialista com 15 anos de experiência na área condominial, a lei é muito ampla quando fala sobre as responsabilidades que competem ao síndico. No Código Civil, o artigo 1.348 aborda as obrigações que norteiam a atividade, mas em momento algum delega ao gestor a função de mediador. Por isso, a indicação é que o administrador siga sempre as determinações da Convenção e do Regimento Interno, além de tentar manter o bem-estar entre os moradores do condomínio.

“Quando um problema entre condôminos é trazido para o síndico, ele deve entrar em contato com as partes e tentar resolver a questão. É muito importante que eleconverse com cada um, podendo até mesmo marcar uma reunião de tentativa de conciliação. Mas, se o assunto não for resolvido, o gestor pode enviar uma notificação extrajudicial e dependendo do assunto, até uma multa. Agora, se a questão não for solucionada depois de todas estas providências, o próximo passo é a propositura de ação judicial, e daí quem tem que tomar essa providência são as partes envolvidas”, explica.

A advogada ainda destaca como princípios básicos de um bom gestor ser paciente, mediador e buscar ser o mais imparcial possível. Além disso, ter bom senso e saber mostrar ao morador que ele precisa se adaptar às regras para ter uma boa convivência dentro do condomínio. “É importante que o administrador atue em tudo que pode causar conseqüências para o condomínio. Vale sempre lembrar que mesmo se você estiver com 100% da parte financeira em dia, mas deixar a gestão de pessoas de lado, o seu condomínio vai estar um caos”, analisa.

Já para o advogado Cristiano de Souza, consultor jurídico condominial, o síndico deve ouvir as reclamações, avaliar e conforme a questão informar as partes envolvidas do fato, comunicando sempre o suposto infrator e garantindo-lhe a ampla defesa. Antes de multar, ele destaca a necessidade de procurar apaziguar, podendo inclusive fazer mediações de conflitos, por meio de terceiros contratados, como um mediador profissional com experiência e capacitação em condomínios, que possua técnicas apropriadas para que não haja envolvimento direto e possíveis favorecimentos. “O gestor deve ter uma postura de negociador e ser totalmente transparente. Mas, acima de tudo, ser um profissional criterioso, que não confundirá questões pessoais com suas obrigações legais ao gerenciar um conflito”, comenta.

O advogado Cristiano de Souza explica que o gestor deve ter uma postura de negociador e ser transparente nas ações
Segundo ele, o síndico estará ajudando o morador na convivência em comunidade fazendo com que ele entenda que faz parte de uma organização social com regras que devem ser seguidas e cumpridas por todos os envolvidos. “Uma das formas de existir um conflito é negar a participação ou mesmo ocultar informações. Gerenciar e ser proativo em uma visão a frente da coletividade, não apagando fogo com querosene, é o dever do síndico”, conclui.

Gestão de crise

Confira algumas orientações dos especialistas sobre os recursos que os síndicos e condôminos dispõem para evitar que os conflitos fujam ao controle:

O síndico deve intervir quando o problema se relacionar, de alguma forma, com as questões do condomínio. Todos os assuntos que dizem respeito à segurança, sossego e saúde dos condôminos devem ter atenção especial do síndico;

A comunicação no condomínio é muito importante, portanto, enviar comunicados sobre as regras mais importantes, ou sobre uma obra que está realizada ou algum outro assunto de interesse comum é sempre recomendável;

É interessante que o síndico marque reuniões periódicas para ouvir os condôminos. Também o que ajuda muito na adaptação das pessoas e na boa convivência, é fazer eventos sociais como festas juninas, festa de dia das crianças, natal e outras, para que os vizinhos se conheçam e passem a interagir melhor;

Do ponto de vista legal, é aconselhável que os moradores resolvam pequenos problemas de convivência entre si.Mas quando não conseguem, podem sim pedir a ajuda do síndico;

O gestor deve participar de todos os momentos, porém como um dos atores que pode identificar e tratar um conflito ainda não instaurado;

O síndico deve contratar uma boa administradora e um bom advogado, para assim conseguirdar conta de todas as questões. Desde a convivência entre vizinhos, inadimplência, manutenção das áreas comuns, funcionários etc. Levando em conta os possíveis reflexos dos conflitos, é importante que o jurídico atue preventivamente também, e não só depois que acontece um problema;

Não se pode confundir perfil mediador com ações de gestor. Havendo um impasse, se instaurado, a função do síndico é de informar os limites e integrar o reclamante no sistema chamado condomínio, fazendo-o entender os danos que poderá causar. O gestor pode colocar o condomínio à disposição para indicar formas de solução, mas não solucionar.