Pandemia

Condomínios já cobram de funcionários o comprovante de vacinação contra Covid-19

Com mais de um terço da população brasileira totalmente vacinada e a ansiosa espera pela volta à normalidade, muito se discute sobre a possibilidade de restringir o acesso de pessoas não imunizadas a determinados locais. Na semana passada, o governador Rui Costa e o prefeito de Salvador, Bruno Reis, anunciaram que será exigido o passaporte da vacinação para a entrada em locais públicos, eventos, restaurantes e estabelecimentos. Na esteira do assunto, a questão também chega aos condomínios e síndicos já se questionam sobre a possibilidade de exigir vacinação de funcionários e moradores.

No condomínio administrado pelo síndico profissional Jorge Freitas, por exemplo, já foram exigidos dos funcionários os comprovantes de vacinação. Todos apresentaram e estavam imunizados. Mas antes da exigência, o síndico conversou com os funcionários, falou sobre a importância de se proteger e explicou que seria também uma forma de se defender caso um morador afirmasse que foi contaminado dentro do condomínio.

Segundo a advogada especialista em Direito Imobiliário Fernanda Andrade, a constitucionalidade dessa exigência já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, que na ocasião decidiu que as pessoas não são obrigadas a se vacinar, mas, ao optar pela não-imunização, devem arcar com restrições impostas para o bem da coletividade.

Jorge não foi o único a solicitar o passaporte de vacinação dos funcionários, em 10% dos empreendimentos administrados pela Liderança Administração de Condomínios também houve essa exigência. Jubiracy Leal, sócio da empresa, conta que houve um comunicado formal, justificando a decisão e informando o prazo para apresentação do comprovante. Segundo ele, não houve descumprimento, “mas, caso houvesse, o funcionário receberia uma suspensão e advertência”.

As consequências desse descumprimento podem ser ainda maiores. O advogado especialista em Direito Imobiliário Edson Salomão explica que o funcionário pode até ser desligado por justa causa. A orientação, no entanto, é que, antes de chegar a esse ponto, o condomínio faça como Jorge e Jubiracy: desenvolva uma campanha de conscientização, comunique com antecedência a obrigatoriedade e dê um prazo para que o funcionário apresente o comprovante. “Se ele não apresentar, notifique, informando que ele poderá ter o contrato de trabalho rompido, inclusive por justa causa”.

Segundo Salomão, ainda não existe jurisprudência no âmbito dos condomínios para casos de desligamento de funcionário que não se vacinou. “Mas existe um caso de uma funcionária de outro segmento, em São Caetano do Sul (SP), que optou pela não-vacinação e foi demitida por justa causa. Ela ingressou na Justiça, mas o Tribunal Regional do Trabalho acabou decidindo a favor da empresa. Por analogia a esse caso, entendemos que é sim possível a demissão por justa causa em situações semelhantes em condomínios”.

Para o advogado, a justificativa está na premissa de que o direito individual não pode se sobrepor ao direito coletivo e ele ainda ressalta a possibilidade da situação contrária acontecer: o funcionário que for contaminado trabalhando pode recorrer à Justiça contra seu empregador. Ainda não há, contudo, um consenso no assunto. Entidades representativas da área, como a Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), enxergam a justa causa como um exagero.

“O empregador tem a gestão desse contrato. Então, no caso dos condomínios, cabe ao síndico dispensar o funcionário que não está cumprindo a regra do empregador. Alguns entendem que essa demissão pode ser por justa causa, nós, entretanto, entendemos que seria um exagero, uma vez que não existe nada semelhante no artigo da CLT sobre esse tipo de rescisão e estaríamos violando um direito da pessoa”, defende Marcelo Borges, diretor de Condomínio e Locação da Abadi.

Em assembleia

Após a solicitação aos funcionários, Jubiracy aguarda “um maior embasamento legal” para decidir sobre a exigência de comprovação de vacinação dos moradores. Já o síndico Jorge se prepara para uma assembleia onde a questão será colocada em votação.

Essa decisão é ainda mais delicada do que a solicitação aos funcionários. Por isso, o presidente do Sindicato de Habitação (Secovi), Kelsor Fernandes, orienta que o condomínio tenha os cuidados de Jorge e Jubiracy. “O síndico tem o direito e obrigação de proteger as pessoas do condomínio, mas ele não pode criar leis. É necessário uma determinação das autoridades ou que a assembleia concorde e autorize uma decisão como essa. E ainda assim, nesse último caso, ele pode correr o risco de uma judicialização”.

A advogada Fernanda explica que o síndico pode fazer essa exigência aos moradores – desde que o regimento interno dê a ele essa autonomia ou que a assembleia tenha aprovado a medida –, mas a decisão não pode, em hipótese alguma, impedir o acesso do condômino à sua unidade habitacional. "Só é possível então solicitar passaporte de vacinação para o uso de determinadas áreas comuns, em que o risco à saúde seja preponderantemente relevante, como piscina, academia e salão de festas".

Ainda assim, Fernanda alerta que essas restrições devem ser feitas com cautela para evitar situações constrangedoras ou que possam causar dano moral ao condômino. “Os acessos de portaria, elevadores, escadas e halls, por exemplo, não deverão ser bloqueados a nenhum morador e nem mesmo poderão ser destinados acessos específicos a não vacinados”.

O morador que infringir essas determinações do condomínio pode ser penalizado de acordo com o que prevê a convenção e o regimento interno, o que geralmente varia de advertência à multa. Mas antes de pôr em prática a decisão, a recomendação da advogada é que os síndicos coloquem avisos sobre a importância da vacinação e estabeleçam um prazo para o início da medida, precavendo todos os moradores sobre a nova exigência.