E se o seu prédio estiver te deixando doente?

 Entenda o que torna um ambiente saudável

Você já ouviu falar em um edifício doente? Sim, doente! Segundo a OMS, isso existe e tem nome: é a chamada Síndrome do Edifício Doente (SED), que foi reconhecida pelo órgão de saúde internacional em 1982. Ela é definida como uma situação na qual “ocupantes de um prédio experimentam efeitos agudos de saúde e conforto que parecem estar relacionados ao tempo gasto no local”, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Já sentiu que, antes da pandemia, você vivia com alergia no escritório? Pois é.

Estimativas da OMS calculam que cerca de 30% dos prédios poderiam ser classificados com a SED. Ou seja, isso pode ocorrer também no prédio onde você mora e até na sua casa, a depender das condições. E, em tempos de pandemia, quando a saúde ganhou ainda mais relevância, a arquitetura se vê diante de um novo conceito: a saudabilidade, ou a busca por um estilo de vida mais saudável, que se reflete nas técnicas construtivas das edificações para além do que tradicionalmente é considerado sustentável.

Mas o que torna um lar ou edifício enfermo? Para o escritório de arquitetura Sem Muros, que tem como foco projetos de baixo impacto ambiental, um edifício acaba ficando doente quando não é projetado aproveitando as vantagens e características do terreno e da natureza à sua volta.

“É uma construção que não privilegiou o projeto pensando nos sistemas naturais que influem sobre ele: não considerou a insolação, como forma de garantir que a luz solar evite a proliferação de bactérias que se manifestam no escuro e na umidade; ou não privilegiou uma ventilação cruzada, deixando de garantir a renovação do ar naturalmente no ambiente”, explicam à Casa Vogue.

“Tudo isso deve ser levado em consideração como premissa mínima para um projeto arquitetônico, pensando no conforto térmico e ambiental dos seres humanos que vão habitar esse espaço”. E aí que entra o conceito de saudabilidade, que vem ganhando força principalmente nas áreas relacionadas à nutrição e significa, em linhas gerais, a busca por mais saúde e qualidade de vida.

Basicamente, a busca pela saudabilidade na arquitetura implica em casas e apartamentos que priorizem o bem-estar. Sim, entram em jogo técnicas já usadas em bons projetos e recursos vistos como sustentáveis — garantir ventilação cruzada, bom uso do paisagismo e de telhados verdes, e otimização da iluminação são alguns velhos conhecidos — mas o conceito leva isso um pouco além.

“Vai muito além da eficiência energética e do ciclo de vida dos produtos. Mesmo que um material seja reciclado, por exemplo, se ele usa algum composto volátil, alguma cola ou resina cancerígenos, não vamos trabalhar com ele”, diz à Casa Vogue Ormy Hütner Jr, à frente do TELLUS Arquitetura Sustentável.

“Por mais que um material tenha essa etiquetagem verde ou sustentável, ele pode gerar algum tipo de risco à saúde daqueles que moram naquela edificação, se usar esses elementos”. Ormy é um profissional certificado com o Selo Casa Saudável (Healthy Building Certificate, em inglês), que estabelece uma série de parâmetros voltados à garantir a saúde e bem estar dos moradores. “Nós até temos um certo cuidado para que os clientes não fiquem assustados com a quantidade de riscos aos quais as pessoas estão sujeitas dentro da própria edificação”.

“Para projetar uma casa com foco em saúde e bem-estar, nós sempre trabalhamos com uma etapa chamada ‘Análise dos Condicionantes Externos’: isso significa analisar quais influências externas em um terreno podem impactar a saúde das pessoas ali. Analisamos desde a qualidade do ar à intensidade de ruídos sonoros, passando também pela radiação solar e até a poluição eletromagnética, como linhas de alta tensão e antenas de celulares próximas. Com isso, identificamos os riscos físicos, químicos e biológicos”.

Ormy também explica que em projetos com foco na saudabilidade são priorizados, por exemplo, tintas não tóxicas e materiais naturais, o que muitas vezes implica em um certo resgate de técnicas milenares: construções em terra e em bambu acabam apresentando vantagens em termos de saúde. E o uso dessas técnicas, visando o bem estar, acaba, é claro, gerando um impacto ambiental bem menor e a sustentabilidade acaba vindo por consequência.

De certa forma, é o que propõe também o arquiteto Marcelo Bueno, especializado em bioarquitetura e que trabalha há 18 anos com projetos ecológicos de baixo impacto. E o que seria uma bioarquitetura? “Os nomes se parecem muito, mas uma bioarquitetura são casas feitas de terra crua. Normalmente as paredes das edificações são feitas artesanalmente, e existe um lado artístico e uso de técnicas milenares como o pau a pique”, explica o profissional. Construindo paredes com terra crua, a casa ganha vantagens térmicas (o barro é bom para regular a umidade do ambiente e garantir ventilação, por exemplo), além de dispensar o uso de cimento e concreto, que possuem uma grande pegada de carbono.

Os clientes, diz Bueno, estão começando a valorizar cada vez mais este tipo de solução. “É claro que depende do cliente, mas, em geral, muitos me procuram pedindo sistemas de reaproveitamento de água de chuva e energia solar e eu acabo oferecendo outros produtos. Por exemplo, eu só uso madeira de reflorestamento tratada. E, como só uso madeira, consigo vender a estrutura em madeira, e portanto já economizo em concreto. Alguns clientes pedem paredes de terra, outros pedem paredes mais tradicionais, e nesses casos eu proponho o uso de tijolos ecológicos. Também posso propor o uso de conduítes de plástico reciclado, fios encapados com plástico de cana de açúcar, um jardim comestível abastecido a partir do reuso de água”, exemplifica.

“No final das contas, a pessoa usa aquela residência e nem se dá de que está morando em uma edificação diferente do tradicional. Mas a bioarquitetura envolve também essa conexão com o meio ambiente, então se o morador tem uma horta ou jardim comestível, ele provavelmente vai começar a separar o lixo para reciclagem e compostagem. E por aí vai”.

Como deu para perceber, existem diversas abordagens e muitos fatores envolvidos quando se fala em construir um lar saudável. E todos esses recursos, soluções e conceitos hoje acabam sendo abordados sob o leque mais generalista de “arquitetura sustentável”, termo que vem sendo, de certa forma, banalizado — ao menos na visão do escritório Sem Muros.

“Hoje vemos o conceito ‘sustentabilidade’ ser vendido em caixinhas, virando mais uma moda do que uma necessidade. Para ser sustentável de fato é preciso uma mudança no olhar e no agir, uma mudança que a incorporação de certas ferramentas ‘sustentáveis’ como uma simples composteira em casa não alcança. Não adianta ter uma composteira e obrigar a empregada doméstica a trabalhar na sua casa todos os dias durante a pandemia. O nome ‘Bioarquitetura’ já diz tudo, é uma arquitetura com vida. Esta arquitetura se dá pelo cuidado do uso dos materiais, do lugar onde está sendo inserida e do aproveitamento das características climáticas, entendendo tudo isso de maneira integrada e respeitosa”, afirmam. “Quando você valoriza isso, você valoriza a sua vida, e a vida de tudo ao seu redor, e necessariamente a diversidade; você respeita o outro e a si mesmo”.