Taxa condominial

Fração ideal confunde condomínios e juízes

 

Não se discute ser legal uso da fração ideal para dividir as despesas de manutenção do condomínio, sendo que o que se contesta é o seu uso de forma equivocada em edifícios com cobertura, assim como loja e apartamento localizado no térreo, pois o construtor, ao confundir quota (chamada erroneamente de taxa) como se fosse um imposto, acaba criando uma cobrança exagerada sobre a unidade de maior metragem.

Se a convenção redigida pela construtora, por desconhecimento técnico, determina que apartamento térreo e de cobertura deverão pagar mais pelo simples fato de possuir uma área interna maior que as unidades tipo, configura lesão que é proibida pelo art. 157 do Código Civil (CC).

Além disso, afronta a boa-fé (art. 422) ao gerar enriquecimento sem causa (art. 884) dos proprietários das unidades tipo que se unem para não mudar a convenção que lhes favorece, ferindo assim, a função social do contrato (art. 2.035 do CC e art. 5º da LICC).

O STJ, ao julgar no dia 02/06/20 o REsp. 1.778.522/SP, considerou legal a cláusula da convenção que estipulava o rateio pela fração ideal das despesas ordinárias, sendo que quanto às despesas extraordinárias já constava o rateio igualitário.


A questão é que, para fundamentar esse posicionamento, o STJ citou justamente o REsp 541.317, que diz ser também legal o rateio igualitário das despesas ordinárias, tendo 5 ministros afirmado “o pagamento dos funcionários, a manutenção das áreas comuns e os encargos tributários sobre essas áreas – beneficiam de forma equivalente todos os moradores, independentemente de sua fração ideal. […] os custos, em sua maior parte, não são proporcionais aos tamanhos das unidades, mas das áreas comuns, cujos responsabilidade e aproveitamento são de todos os condôminos indistintamente.”

Ficou claro que a decisão do REsp 1.778.522, é contraditória, pois analisou questões complexas superficialmente e assim confundiu condomínio geral com condomínio edilício e entendeu ser a quota de condomínio equivalente a um imposto (ITBI e IPTU).

Esses equívocos decorrem da falta de aprofundamento da origem da Lei de Incorporações em Condomínios, nº 4.591/64, promulgada para dividir as despesas de construção dos apartamentos vendidos na planta, sendo raro existir coberturas nas décadas de 60/70. A Lei 4.591/64, seguindo uma ordem das etapas de uma edificação, nos artigos 1º ao 3º, deixa claro que um edifício não se confunde com a concepção de condomínio geral ou voluntário previsto nos artigos 1.314 e 1.315 CC.

No condomínio geral, se três pessoas compram um automóvel, tendo duas 20% cada e a terceira 60% desse bem, caberá às três pagarem pela manutenção do veículo, nessa proporção, por serem coproprietárias, sendo a mesma regra aplicável a uma casa, a um escritório ou outro bem que pertença a mais de uma pessoa.

O condomínio edilício é muito diferente, pois é composto de dois tipos de propriedade, a área privativa que é o apartamento e as áreas comuns que consistem em tudo que se localizada do lado de fora do apartamento, como a portaria, escadas, corredores, telhado, salão de festas, jardim, áreas de lazer, conforme previsto no art. 1.331 CC.

Fez muita falta uma perícia no Resp julgado em 02/06/2020, pois é importante perito engenheiro civil demonstrar de forma material que o rateio de construção do art. 12 (reproduzido no art. 1.336, I, do CC) é muito diferente do rateio dos custos de manutenção e conservação previsto no art. 24. A fração ideal é um critério adequado para dividir custos de construção, conforme a Lei 4.591/64.

Após a entrega da edificação aos compradores, o critério racional para dividir as despesas que são externas às unidades passa ser o igualitário, pois os peritos constatam ser impossível determinar se há alguém no edifício que utilize o porteiro, o elevador, a faxineira, a quadra, o salão de festas ou a churrasqueira e a piscina, a mais que outro.

Não se quantifica esse tipo de custo, rateia-se de forma igual, pois todos usufruem igualmente por ter os serviços disponibilizados e não por ter gerado o gasto. Portanto, se alguém deixar a unidade fechada, continua a ter o dever de pagar a quota da mesma forma.

O art. 19 da Lei 4.591/64 bem como o art. 1.335 CC são taxativos ao proibir qualquer coproprietário de utilizar de forma exclusiva as áreas comuns, ou seja, a área comum existe para todos se beneficiarem, ainda que não queira, e usufruir de forma semelhante dos serviços que geram as despesas.

Essa constatação feita pelas perícias, que deveriam ser obrigatórias para esclarecer conceitos técnicos, mostra a ilógica do argumento de que a cobertura deveria pagar dobrado a quota porque poderiam existir dois apartamentos no seu lugar. É evidente que os moradores da cobertura pagam a mais, todo ano, valor superior de IPTU, já que esse é um imposto que se calcula sobre o valor/área da propriedade.

Mas não podemos daí concluir que o proprietário da cobertura utiliza duas vezes os empregados e os serviços que são prestados nas áreas comuns, pois consiste numa moradia unifamiliar, como os apartamentos tipo. As perícias confirmam serem todas as unidades ocupadas pela mesma média de moradores.

Na prática, ninguém mora no terraço ou na área de lazer da cobertura, como tenta fazer crer quem defende o uso da fração ideal para justificar cobrar a mais como se a cobertura fosse usada como uma pensão ou pousada com 10 ocupantes.

O IBGE comprova que as famílias são compostas por 2 a 3,6 pessoas (um casal e 1,6 filhos), sendo comum quem mora na cobertura utilizar menos as áreas de lazer (salão de festas, piscina, etc.) que são utilizadas mais pelos moradores dos apartamentos que acabam pagando menos pelo seu custeio quando se valem da fração ideal menor.

No final, a cobertura é apenada duplamente ao ter que arcar com as despesas de troca da impermeabilização do terraço, que ao resultar num telhado menor do prédio acaba beneficiando novamente os vizinhos que terão redução dos custos dos reparos do telhado.

O Poder Judiciário deve entender que grande parte dos condomínios se recusa a colocar no edital o tópico para votar por um rateio equânime, sendo comum ocorrer sabotagem para nunca alcançar os 2/3 para alterar a convenção. Tal abuso de direito é justificativa para o magistrado rejeitar a fração ideal diante da prova técnica judicial, não por ser ilegal, mas por ferir cinco artigos do CC e os princípios constitucionais da isonomia e a razoabilidade.

*Vice-presidente da Comissão Nacional de Direito Imobiliário da OAB Federal, Advogado e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG